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A LOUCURA DO NORMAL

Atualizado: 26 de mar. de 2020

Lylian Rodrigues


Neste mês, dia 18, aconteceria um dia de paralisação que poderia gerar uma Greve Geral na Educação. Nunca vamos saber. Mas, parados estamos. Não foi a greve, mas o Coronavírus. E não foi só a Educação, parou TUDO! Ou, quase tudo. #18M foi dia de luta, era pra estar nas ruas, encontrar camaradas, discutir a democracia, gritar direitos, defender o ensino público e gratuito. Mas, gritamos da janela e ficamos nos celulares, no dia 18 de março. Em nome da vida, pelo medo da morte.


Na terça-feira, dia 17 de março, 22 estados e o Distrito Federal estavam com as aulas suspensas por causa do número de pessoas infectadas no país e casos suspeitos, nas cidades de todas as regiões, no Brasil. Qualquer pessoa pode estar infectada e a não redução na curva de contaminação pode gerar um colapso junto à curva de atendimentos possíveis na Saúde Pública e Privatizada, dos planos de saúde e hospitais particulares. Escancarou-se o problema do SUS neste país.


Há uma crise epidemiológica, de uma dimensão gravíssima, que gerou uma pandemia na Terra. Já é uma contaminação coletiva na espécie humana.


Neste mesmo dia, 17 de março, o Ministério da Educação dispôs sobre a substituição das aulas presenciais por aulas em meios digitais enquanto durar a pandemia do Novo Coronavírus – COVID-19. Até então, nem tinha chegado o dia de luta da Educação, o #18M.

www.in.gov.br (Imprensa Nacional)

No Artigo 1°, aliás, há um equívoco. Onde se lê, “em andamento”, alterar leitura para suspensas.


Retomamos o debate sobre a Educação à Distância, no sistema de Ensino Superior. A discussão acontece desde o segundo turno da Eleição 2018, quando Bolsonaro não era Poder Executivo do Estado. Agora, ele tem autoridade para executar. Por sorte, não sem encontrar resistência. De candidato a presidente, vivemos uma ordem política de perseguição à categoria docente - e a outras, como a de jornalistas.


Foi promessa de campanha a EaD desde o ensino fundamental, dos 6 anos aos 14, lembra? Ele prometeu ampliar para o ensino médio. Atualmente, a portaria 343/2020 do MEC me parece excelente precedente para atingir universalmente o ensino, inserindo agora o universitário.


A discussão de normalizar é anterior


Na Unifap, na greve que começou dia 28 de novembro, em 2016, e terminou em 2017, discutimos a suspensão das aulas nas universidades com o Conselho Universitário e a Reitoria. Conclamávamos pela suspensão do calendário e se instalava o impasse desde os Colegiados ao CONSU, entre instituições e movimentos de estudantes e sindicais. Direito a exercer a greve e a insistência em continuar normalmente o calendário, mesmo que professores estivessem paralisados das aulas e articulados com ações na cidade ou na universidade para discutir a democracia, a educação pública e o ensino superior.


Discentes sofreram perseguição por parte de professores, que ameaçavam sobre as faltas a serem preenchidas no SIGAA e a perda do semestre. Discursos reveladores sobre “quero me formar” e “não vou mudar minhas férias” sustentavam o sistema capitalista de produção e consumo. A universidade é um microcosmo. Não poder perder conteúdo e não discutir com a decisão superior do professor evidencia a incrustrada universidade pública nas grades do currículo e na estreiteza da hegemonia e da autoridade.


A greve sempre foi tratada como prejuízo pela imprensa e pelos que desejam a normalidade do calendário. Práticas e deliberações em tempo de greve são processos de produção cultural universitária e que são sempre atacadas. São formas grupais de agir e criar relações, cooperações, ações comuns; envolvendo diferentes categorias, estudantes, técnicos, docentes e tem se ampliado para outros movimentos das artes e da cultura.


Movimentos discentes do #OcupaUnifap começaram no dia 11 de novembro. Ações que estimulavam a crítica e a resistência ao sistema - capital, patriarcal e colonial – assim como promoviam a organização coletiva entre os estudantes. Eles existiram junto com várias outras ocupações que aconteciam pelo país, desde 2015, nas ocupações das escolas secundaristas, até 2016, com outras ocupações nos campi universitários, e junto a diversos movimentos articulados que, em 2017, geraram um intenso dia de paralisação nacional[1]. A greve sempre foi um enfrentamento político ao sistema capitalista. São respostas à exploração e à precarização.


Esta greve esteve associada ao dia 29 de novembro de 2016, quando em frente ao Congresso, um #OcupaTudo gritou contra a militarização da Polícia Militar e Fora Temer[2], manifestando-se contra o Senado Federal que aprovava em primeiro turno a PEC 55/2016. Esta medida, ao alterar a Constituição Brasileira, estabeleceu limites e restringiu investimentos nos setores públicos por 20 anos para “equilibrar as contas” do país, segundo Michel Temer. Na votação em primeiro turno, foi descartado retirar do congelamento os setores da Saúde e Educação. Sofreram os cortes.


Atualmente, o setor da Saúde Pública é exatamente onde se gera a esperança de assistência aos casos de infecção do COVID-19. Mas, a expectativa é de colapso do setor, público e privado. Não há equipamento de segurança individual suficiente nos hospitais. Em Macapá, é recorrente o pedido em vídeo e texto pelas redes sociais das equipes de enfermagem e assistência social solicitando essa condição mínima. Os governos estaduais e mesmo o federal já começaram a liberar milhões e bilhões para o setor da Saúde.


Que surto na Educação seria necessário?


Em 2018, Ricardo Vélez, que assumiu o Ministério da Educação, declarou ser bobagem a democratização da universidade, nem todos devem se inserir neste espaço. Estudantes do Ensino Médio deveriam sair direto para o mercado de trabalho e ganhar dinheiro como os youtubers. Em menos de três meses de ocupação da cadeira e várias crises, ele foi substituído pelo economista Abraham Weintraub com plano de combate ideológico nas universidades.


Em 2019, o presidente Jair Bolsonaro contingenciou recursos para o ensino superior, cortou bolsas de pesquisas e abriu as universidades para as empresas com o programa Future-se, dando as primeiras brechas à privatização do ensino superior. Falaram em Universidade Digital e Instituto Técnico Digital[3].


Entre greves, manifestações, ocupações e paralisações, as diversas formas mostram a vivência do caos com o poder da normalidade.


Da crise econômica à crise epidemiológica, em meio à crise da Educação.


A liberação do dinheiro começou. No Amapá, R$ 14 milhões é valor de resguardo do setor da Saúde. O presidente anunciou R$ 10 bilhões para os planos de saúde, vinculados à Agência Nacional de Saúde, R$ 85,8 bilhões aos estados e município do nordeste e suspensão das dívidas dos estados com a União. Do Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE) sairá R$ 450 milhões para as escolas comprarem álcool gel, sabão e papel higiênico – apesar de as escolas estarem fechadas. As universidades e institutos suspenderam suas atividades para conter a contaminação do vírus, já que aglomeram inúmeros estudantes. Decretos dos governadores estaduais e prefeitos municipais fecharam as escolas e o comércio.


Após os Decretos e os diversos Comunicados das instituições de Ensino Superior, o Ministério da Educação publicou uma Medida, publicada no dia 18 de março, dia de luta #18M.

www.portal.mec.gov.br

Sem consultas possíveis em tempo de Coronavírus, lança-se uma Medida que autoriza a substituição das aulas presenciais pela EaD - pauta importante sem consenso sobre o tema em debates de Fóruns, Congresso Nacional, etc. Em meio a uma pandemia, com as escolas das crianças também fechadas, estamos todas fora da rotina. Há um turbilhão de coisas, diárias, como buscar soluções domésticas com as crianças, gerir as centenas de mensagens em redes sociais, articular redes de proteção social às pessoas vulneráveis e aos profissionais vulneráveis, dialogar com as pessoas que precisam de apoio psicológico em tempo de isolamento que gera ansiedade, executar trabalho remoto de casa, orientar estudantes em pesquisas ou produção de notícias, estar informada, consciente, cozinhar e fazer faxina.


Os efeitos vieram em cadeia. Há uma rede de prejuízos como mortes, colapso no atendimento de saúde pública mundo afora, perda da liberdade de circular na cidade e da alegria do abraçar, a grana diária que passou a faltar, o medo da morte, a depressão no isolamento. Estamos em meio a uma pandemia e há uma semana quase todos os governos estaduais já decretavam o fechamento das escolas, institutos, universidades, comércio, serviços de transportes, etc. A maioria dos serviços parou e as pessoas devem ficar em casa para contenção da curva, que colapsa o Sistema de Saúde Público e Privado. Tente não pirar! E a orientação do MEC é a normalidade das aulas? Seguir com o calendário, normalmente para manter a rotina. Não estamos na rotina. Não está tudo normal. E, diante da pergunta do presidente em rede nacional, “por que fechar as escolas?”, vou ignorá-lo.


Enquanto isso, na sociedade brasileira, chegamos a 2.200 casos de infecção e 46 mortes, segundo o Ministério da Saúde, nesta quarta-feira, dia 25 de março. No mundo, já são mais de 18.000 mortes e 420.000 pessoas infectadas, em 170 países. Em apenas três meses, desde o primeiro caso, e crescem os números em horas.


Diante deste cenário, a Medida do MEC nos impõe refletir sobre a luta pela Educação e os precedentes em assumir uma rotina nas aulas a partir da Educação à Distância nas universidades. Com a ligeireza da contaminação, tudo está acontecendo muito rápido.


Na semana de paralisação da Educação, somos acometidos pela crise epidemiológica mundial e as aulas são suspensas, sem que pudéssemos prever ou planejar esta situação. É decretado pelos governos estaduais o Isolamento social como melhor forma de controle. Na mesma semana, o MEC já lança medida para uso da Educação à Distância. E pede resposta em até 15 dias, dia 1 de abril.


Há diversos pontos em questão ao falarmos em EaD: a situação desigual das regiões no acesso às Tecnologias de Informação[4], equipamentos ou internet; a situação desigual de possuir meios e acesso entre estudantes da instituição, por diferenças econômicas; a inabilidade com a prática do ambiente virtual para docentes e discentes, de maneira tão imediata; a adequação de um espaço doméstico e técnico para o trabalho em casa; questões metodológicas sobre a aprendizagem não são consensuais; e, em tempo de pandemia, qual a sustentabilidade da formação online? Quais as condições emocionais e mentais destas pessoas, discentes e docentes para seguir com a vida, normalmente?

A Universidade Federal de Brasília já se pronunciou nas redes sociais assim como a UFPA[5].

https://twitter.com/cbnbrasilia

Não vão normalizar as aulas com Educação à Distância. Resposta sensata e crítica. Extraio alguns trechos[6] da nota da UFPA para nossa apreciação:


Esta semana tivemos dois episódios interessantes e dicotômicos em sua essência, enquanto o CNE aprova até 30% do conteúdo do ensino médio em modalidade EaD, pesquisa realizada em 35 países coloca o Brasil em último lugar no que se refere a percepção do professor pela sociedade.


Vimos a possibilidade plena de interação do usuário com a internet e a sociedade em rede tomar corpo por meio das redes sociais. Intensificamos nossas relações entre indivíduos, grupos ou instituições com interesses convergentes e as relações de muitos com muitos. Essa nova globalização caracteriza uma quebra de barreiras mais profunda


Os movimentos de oferta de materiais e cursos gratuitos oriundos das maiores e melhores universidades do mundo, por exemplo, trazem um novo panorama no oceano que banha a educação em todos os níveis, pois a maior parte do conteúdo comum está disponível na internet, hoje.


O estudante ou aprendiz assume um papel mais proativo neste novo cenário e visa resultado imediato a aplicação daquilo que aprende. Assim, as metodologias ativas e multidisciplinares de ensino aproximando o máximo daquilo que esteja sendo estudado com a realidade ou aplicação na vida real ou profissional do estudante devem ser adotadas em métodos mistos de aprendizagem, ou seja, temperados com atividades presenciais e outras apoiadas por tecnologias.

E provoca assertivamente.


Vamos aproveitar estas resoluções e o momento de virada na estrutura política do país e priorizar a reformulação da carreira do professor, valorizá-la, recuperar seu caráter respeitoso e de ser respeitado. Fazer com que seja o catalizador da aprendizagem e do desenvolvimento da sociedade, pois temos o desafio de formar cidadãos para o século XXI e estamos atrasados.


A Universidade Federal do Amapá também já se manifestou[7] contrária ao uso da Educação à Distância para seguir calendário normal. A Pró-Reitoria de Graduação argumenta a falta de planejamento prévio e o não acesso do total de discentes aos equipamentos necessários para o trabalho, em ambiente virtual. Por fim, garantiu que as atividades suspensas serão integralmente repostas.


Acontece uma calamidade pública mundial, atingindo o Brasil de susto e o MEC quer manter o calendário das universidades para não prejudicar a rotina dos estudantes e amenizar o prejuízo. É um excelente tempo para reformular as ideias sobre o que vem a ser prejuízo, ensino e Educação Pública. O atual Governo Federal afrontou a Educação e professores de muitas maneiras.


A aprovação do texto Base Nacional Comum Curricular pelo Conselho Nacional de Educação saiu sem consultar professores e educadores, e garantiu a Educação à distância entre 20% a 80% da carga horária para o Ensino Médio e EJA. Consolidou, também, o projeto de Michel Temer para a Reforma do Ensino Médio e a Escola Sem Partido, ameaçando o pensamento histórico e crítico, em sala de aula e até nos livros didáticos.


As matrículas no Ensino Superior aumentaram, puxadas pela Educação à Distância.


No Censo da Educação Superior de 2017[8] a 2018[9], houve um aumento de 8.286.663 para 8.450.755. Entretanto, as matrículas presenciais caíram em uma variação de -3,7% enquanto a EaD aumentou 27,9%, sustentando o crescimento. Nos últimos 10 anos, os cursos EaD triplicaram (196,6%) enquanto os cursos presenciais cresceram 25,9%. Os maiores números de matrículas em cursos à distância estão na rede privada de ensino. As instituições privadas já somam 88,2% da Educação Superior no país. Em 10 anos, a rede pública aumentou 7,9% enquanto a rede privada cresceu 59,3%. O ensino à distância é preferido pelas instituições privadas.

Raquel Paiva e Muniz Sodré[10] mostram como a instalação, no Brasil, do mercado mundial da educação se fortalece com as instituições universitárias privadas, que atendem ao valor mercadológico e social do capital humano. É um investimento em metas de desenvolvimento econômico com uma população formada para o trabalho – mão de obra qualificada.

Liberalismo e utilitarismo são, assim, os instrumentos organizacionais e ideológicos acionados pelas organizações internacionais para transformar a escola num dispositivo de fornecimento de capital humano para empresas, relegando à obsolescência a doutrina humanista da educação como formação integrada do homem, do cidadão e do trabalhador (PAIVA, R; SODRE, M. 2012).


Sustentabilidade comunitária

Os autores chamam a atenção para as possibilidades locais e comunitárias como sustentabilidade do capital humano. Para isso, deve-se entender o conhecimento como resultante da ecologia popular dos saberes, das vivências, da externalidade e não das materialidades e tecnologias. “Essa externalidade, ao mesmo tempo individual e coletiva (pais e educadores participam ativamente dessa produção) é tida como a base da inovação e da auto-organização criativa”. O mundo da vida constrói a externalidade, familiares e vizinhança. As manifestações e as calamidades constroem improvisação e cooperação, que valorizam a formação, que deve constituir-se também na capacidade de se produzir sujeito com bagagem cultural. A comunidade participa dessa construção.


O efeito Coronavírus, no país e no mundo, potencializa pensar e agir de maneira local e coletivamente. Não se trata de um contrato ou acordo social, mas de vínculos que se estabelecem na solidariedade. São formas de cooperação ou associação que geram ações, laços, fortalecem identidades, valorizam profissionais. Temos visto um esforço comum para sustentar a vida humana.


Com a contaminação comunitária na Terra pelo Coronavírus, temos a oportunidade de enxergar outras perspectivas sobre a conexão global e localmente.

Por isso, a discussão contemporânea sobre a comunidade não é um fato meramente acadêmico. A ascensão da rede nos modos de organização do espaço urbano por efeito das transformações impostas pelo capitalismo flexível leva à valorização dos nós ou vértices reticulares, portanto, à valorização das relações de vizinhança ou proximidade. A comunidade reaparece como uma questão, assim, não mais apenas em seus aspectos topológicos, mas em suas possibilidades de fluxos para as relações humanas requeridas pelo novo socius (PAIVA, R; SODRE, M. 2012).


Cartazes, gritos e aplausos das janelas; ofertas solidárias de atendimento pela internet para o autocuidado àquelas pessoas que não enfrentam bem o isolamento; liberação de conteúdos, cursos online e formações; narrativas e leituras para o público infantil com hora marcada pelas redes sociais de livre acesso; propostas de governos estaduais para incentivar com recursos financeiros o trabalho artístico a partir de casa; vizinhos fazendo as compras para os outros; gente retornando para as casas da família de origem; governos apoiando o isolamento e dando condições financeiras para trabalhadores independentes ficarem em casa; faltas justificadas de empregados; dispensas com carteira assinada; redução de salários parlamentares.

O Coronavírus é um subversivo[11]. Nós não seremos os mesmos, nós não podemos ser os mesmos, nem nos manter no mesmo. A normalidade está sendo pressionada e forçada à mudança. Dessa vez, nem é a greve! E todo o mundo participa.

[10] PAIVA, Raquel; SODRE, Muniz. CAPITAL HUMANO E SUSTENTABILIDADE COMUNITÁRIA. In: ALAIC - XI Congreso Latinoamericano de Investigadores de la Comunicación, 2012, Montevidéu.

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